quinta-feira, 16 de outubro de 2008

de Cezar Venancio - A LIAHONA MÁGICA

LIVRO UM - A PEDRA E A PÉROLA
________________________________

Capítulo l


Já estava anoitecendo quando o Monsieur Leon entrou as pressas no seu casarão batendo a pesada porta de madeira, tremendo de frio. A cidade estava coberta de neve, e a tempestade já começara antes dele sair, porém Monsieur Leon nunca come suas torradas sem manteiga de amendoim, e como havia acabado sua manteiga de amendoim na dispensa ele apressou-se a sair para a mercearia antes que ficasse tarde e fechasse. Por sua sorte o bom Padeiro Sr. Mellow sempre deixa sua mercearia aberta até um pouco mais tarde, mesmo com tempestade.

Monsieur Leon mora sozinho, quer dizer, não tão só, vive com seu fiel amigo Tobias, um cachorro grande e gordo que lhe é boa companhia, porém não pode sair e lhe comprar manteiga de amendoim, apesar de que talvez ele até saiba! Tobias sabe mais coisas que muita gente sabe, mas ninguém gosta de vender manteiga de amendoim para um Cachorro. Tobias, porém é um cachorro muito especial. Ele é muito esperto e prestativo, todavia muito atrapalhado, sempre quebra, bagunça ou faz alguma traquinagem. Tobias sempre está na companhia de Louis, um gatinho de pelúcia azul que ele não desgruda por nada.

Monsieur Leon é jovem, não deve ter mais que 34 anos, mas muitas pessoas se perguntam por que ele vive só. Ninguém nunca lhe perguntou isso, mas sempre quiseram. Ele provavelmente não é tão feio debaixo daqueles óculos exagerados. Talvez suas roupas sem cor, seu penteado antiquado e seu jeito meio desengonçado não o deixe tão atraente, porém nada disso o atrapalharia de ter uma companheira, claro que Tobias lhe faz companhia, mas Tobias não faz chá nem faz biscoitos, nem lhe pode perguntar “como foi o dia” mesmo sendo um excelente ouvinte, e o mais importante; Que graça tem beijar um cachorro peludo e babão?

Mas Monsieur Leon é muito fechado. Fala pouco, sorri pouco, se expressa pouco. O que ele mais gosta é de sentar em sua macia poltrona no fim da tarde e comer suas torradas com manteiga de amendoim, perto da lareira ao lado de seu fiel, peludo e babão amigo Tobias, lendo e tomando um chá que não foi preparado por moça alguma.
Monsieur Leon é um excelente médico do coração. Tendo que lidar com a grande contradição de entender tão bem como funciona um coração a ponto de ajudá-lo a funcionar melhor quando preciso, mas não consegue entender como funcionam os sentimentos que fluem dele.

Com o passar do tempo naquela mesma noite, acabou por adormecer em sua poltrona. Sentado à frente da lareira para se aquentar, o jornal no colo, uma xícara de chá pousada sobre o braço esquerdo de sua poltrona e claro, Tobias deitado no tapete quase que encima de seus pés. E assim os dois descansavam dormindo mais um dia como outro qualquer de suas vidas.
Porém neste dia as vidas do Monsieur Leon e a do Tobias também vão começar a mudar. Tudo começa quando Monsieur Leon foi acordado de repente com um bater desesperado em sua porta. Assustado com o súbito alvoroço o atrapalhado Monsieur Leon bate com a mão na xícara de chá que derrama no seu colo encharcando todo seu jornal, logo ele pula da poltrona esquecendo-se do seu fiel amigo deitado logo embaixo. Puxa, Monsieur Leon levou um tombo ao tropeçar em Tobias que derrubou tudo que estava ao seu redor. Que catástrofe! Parecia um concurso de quem conseguiria derrubar mais coisas.
Tobias por fim se escondeu embaixo de um armário, e Monsieur Leon segue até a porta mancando, molhado de chá e não sei como isso aconteceu, mas tem uma meia pendurada na sua orelha também.

- Já estou indo! – Avisou com voz ainda assustada. – Quem será a esta hora nesta tempestade? – Murmurou curioso.
Ainda batendo na porta com pressa e batidas desengonçadas gritam do outro lado:
- Monsieur Leon! Monsieur Leon! Preciso de sua ajuda!
- Já vou. Já vou! Não precisa derrubar minha porta. Acalme-se!

Oras quem poderia ser debaixo de toda aquela tempestade gritando por socorro? Monsieur Leon enrolou seu pescoço com um manto e finalmente começou a abrir a porta e tirar as correntes. Logo quando abriu a porta um vento frio e neve começaram a invadir e para sua surpresa lá estava à pessoa misteriosa que batia e chamava ansiosa, uma pequena menina.
Tremendo de frio e mal agasalhada, seu rosto estava pálido, porém suas bochechas bem vermelhas, seus olhos grandes tinham lágrimas congeladas.

- Ora menina! – Espantou-se – Entre logo. O que faz nesta tempestade?
Monsieur Leon pegou com jeito a menina pela mão para dentro de sua casa quentinha. Mesmo que muito rápido o momento em que Monsieur Leon abriu a porta e olhou pela primeira vez a garotinha antes que a puxasse para dentro de sua casa, algo estranho aconteceu. Fora como se ele tivesse visto algo naquela garotinha que jamais vira em qualquer outra pessoa ou criatura. Por um momento rápido e mágico, imperceptível para qualquer pessoa, mesmo até para a garotinha, mas não para ele. E mesmo com o barulho do vento uivando, ele ouviu lá dentro talvez de sua cabeça uma suave e doce música, talvez o tilintar de harpas. E mais, dentro dos olhos dela parecia haver um brilho como de uma estrela. Mas puxa vida! Como explicar isso?

Bem, acontece que isso foi o que lhe aconteceu naquele momento.
Tobias saiu debaixo do armário em que se escondia para cumprimentar a visitante e Monsieur Leon ajoelhou-se para tentar ficar de seu tamanho, mas tão pequenina que ela é que teve que ainda assim se curvar. Tirando seu lenço do pescoço e enxugando a menina perguntava preocupado:

- Menina. O que houve? O que faz aqui? Onde estão seus pais?

Foi quando depois que ele enxugou o rosto da menina, limpando seus olhos e parado bem em frente pra ela... Bem, ela começou a rir.
Começou rindo sem jeito meio que com vergonha de rir, mas logo não conseguiu se controlar, e quanto mais o Monsieur Leon lhe perguntava “o que foi” era pior!
Foi quando vindo por trás da menina Tobias parou ao lado dela, olhou pra Monsieur Leon e como se falasse como pessoa latiu duas vezes.

Monsieur Leon parecia entender os latidos de seu amigo e assustado vagarosamente e com sorriso sem jeito como quem queria esconder a cabeça num buraco tirou a meia que estava pendurada em sua orelha. Tobias balbuciou um barulho que poderia ser traduzido como “Ai, ai, ai”. A menina agora tinha um sorriso largo no rosto, diferente da expressão desesperadora de quando batia na porta.

- O que faz aqui? – Perguntou Monsieur.
- Minha mãe. Acho que está doente. – Respondeu a menina agora triste e com voz fraca quase de choro.
- Doente? – Preocupou-se Monsieur Leon – Onde ela está?
- Na minha casa. – Respondeu a menina com voz de ação – Vamos! Eu te levo até lá.
- Espere um pouco. – Disse Monsieur Leon – Preciso pegar minhas coisas!

Numa pressa como nunca havia tido antes corre para seu escritório e pega uma maleta, coloca luvas, põe um chapéu e com um cachecol muito agasalhador enrola a menina. Ambos saem de mãos dadas até o carro, de lá Monsieur Leon dá as instruções a Tobias que está sentado na porta da casa.

- Tobias, cuide de tudo até eu voltar. Procurarei não me demorar, e já sabe, não deixe nenhum desconhecido entrar.
Ajudando a menina a se acomodar no carro, logo ele toma seu lugar e parte ao socorro. Porém estava muito curioso.
- Para que lado vamos? – Perguntou para a menina.
- É só seguir a estrada. Nossa casa fica do lado do lago. – Respondeu certa do caminho.
- Espera aí. – Espantou-se Monsieur Leon – O lago fica a 20 minutos de carro daqui. Você andou tudo isso na tempestade até minha casa? Você deve ter vizinhos não é? Porque não os chamou? Como me conhece e conseguiu chegar até minha casa?
Foram tantas perguntas que a pobre garota ficou sem saber qual responder primeiro. Porém respondeu:
- Foi meu amigo que me trouxe até aqui. Ele disse que você é um médico muito bom e podia ajudar a mamãe, ele me trouxe até aqui e foi embora.
- Amigo? Que amigo? Como ele se chama e da onde me conhece?
- Ele é meu amigo desde que o papai foi embora, ele sempre me ajuda. – Disse a garotinha com ar de respeito.
- Bom, muito bom, muito bom mesmo. Mas... Como se chama esse seu amigo? – Pergunta ainda mais curioso.
- Eu não sei! – Respondeu cantando franzindo a testa, fazendo bico de dúvida e levantando os ombros. – Mas eu o chamo de Raio.
Agora sim Monsieur Leon ficou curioso, quantos mistérios!

///

Nenhum comentário:

Postar um comentário